Economia comportamental e a dinâmica dos jogos de apostas

Nos últimos tempos, o crescimento dos jogos de apostas tem gerado preocupações significativas para empresas, em relação aos seus colaboradores e clientes, ou cooperados, se for uma cooperativa de crédito. A popularidade dessas atividades de risco exige uma reflexão sobre as consequências que podem afetar a saúde financeira e emocional dos envolvidos.

Os jogos de apostas são definidos como atividades cujo resultado depende, total ou parcialmente, da sorte. Ao participar, os jogadores experimentam uma gama de emoções, que vão desde a expectativa até o prazer de jogar. Essa experiência não se resume apenas à busca por ganhos financeiros; está profundamente ligada à emoção, bem-estar e motivação proporcionados pela atividade.

Embora o jogador acredite que possa ganhar, e o jogo é estruturado para esta crença, utilizando também conceitos de economia comportamental, há mais chances de perder do que de ganhar. Por exemplo, em um simples jogo da velha, há 126 possibilidades de combinações, mas apenas 8 chances de êxito. Nos jogos online, além de mais fatores gerando mais probabilidades, há outros fatores que podem contribuir para o jogador perder. Mesmo assim, muitos continuam apostando, motivados por fatores psicológicos que vão além do dinheiro.

O cérebro humano possui um sistema chamado “circuito de recompensa”, que é ativado durante atividades prazerosas, como comer, socializar ou vencer desafios. Nos jogos de apostas, esse circuito se ativa de forma exponencial. A cada vitória, mesmo que esporádica, o cérebro libera uma série de hormônios, como a dopamina, criando uma sensação de prazer que reforça o desejo de continuar jogando. O ciclo de reforço intermitente, onde pequenas vitórias são suficientes para manter o interesse, além de bônus aleatórios, torna-se uma armadilha psicológica, levando os jogadores a ignorar as perdas frequentes.

Outro fenômeno comum é o “quase-vencedor”, que ocorre quando o jogador perde por pouco. Por exemplo, acertar quatro dos cinco números em uma loteria ou ver os símbolos quase se alinharem em um caça-níquel pode provocar uma sensação de quase vitória. Essa experiência é processada pelo cérebro de forma similar a uma vitória real, liberando neurotransmissores e criando a ilusão de que o sucesso está próximo. Isso pode incentivar a continuidade das apostas, mesmo quando as chances permanecem desfavoráveis.

Além das reações emocionais, a economia comportamental demonstra que nossas escolhas são frequentemente influenciadas por emoções, impulsos e vieses cognitivos, que muitas vezes operam inconscientemente. Nos jogos de apostas, isso se manifesta de várias maneiras:

  • Tomada de decisões e irracionalidade: Embora a lógica por trás de muitas apostas seja falha, o comportamento irracional prevalece. O jogador acredita ter controle sobre o resultado, o que é uma ilusão, já que a maioria dos jogos depende exclusivamente da sorte. Ou mesmo que dependa em parte de estratégia, como o poquer, as cartas são distribuídas pelo evento sorte.
  • Ilusão de controle: por pensar que a próxima rodada pode ser a vencedora, ou que é uma aposta esportiva e conhece os times e jogadores, o apostador pode crer que está no controle e que irá vencer em algum momento, o que pode levar a perdas consideráveis, e mesmo irrecuperáveis, antes disso acontecer.
  • Viés do presente e recompensas imediatas: A promessa de ganhos rápidos é um fator motivador poderoso. Os jogos ativam o circuito de recompensa, gerando prazer até mesmo nas perdas, o que incentiva a continuidade das apostas.
  • Efeitos psicológicos: A expectativa de vitória, mesmo após uma sequência de derrotas, é reforçada por técnicas utilizadas por cassinos e plataformas de apostas, que mantêm os jogadores engajados através de recompensas intermitentes e gratificações instantâneas.

A linha entre diversão e dependência é muitas vezes sutil. Muitos começam a jogar como uma forma de entretenimento, seja com pequenas apostas entre amigos, um jogo crash online ou uma aposta esportiva casual. No entanto, essa atividade pode rapidamente se transformar em um problema sério. Quando o jogo deixa de ser uma escolha consciente e passa a ser um comportamento compulsivo, os riscos aumentam significativamente. Ou mesmo sem ter causado a dependência, mas em um dado momento, o apostador ter a atitude de querer recuperar perdas e aumentar significativamente as apostas.

Os sinais de alerta incluem:

  • Preocupação constante com o jogo, mesmo durante atividades cotidianas como trabalho ou reuniões.
  • Perda da noção do tempo e do dinheiro investido nas apostas.
  • Aumento das quantias apostadas para tentar sentir a mesma emoção ou recuperar uma perda.
  • Irritação ou frustração quando não se está jogando.
  • Mentiras sobre quanto dinheiro ou tempo foi gasto com jogos.
  • Problemas financeiros que consomem reservas, comprometem o orçamento ou geram dívidas.
  • Dificuldade em parar de apostar, mesmo quando há consciência dos problemas.

Uma pessoa com alguns desses sinais pode estar enfrentando um problema sério, a dependência, que pode evoluir para doença mental (citado na descrição do CID-11 como game disorder).

Nesse caso, o primeiro passo é reconhecer a situação. Buscar ajuda é um sinal de força, não de fraqueza. Existem diversas formas de apoio, como profissionais da saúde, grupos de apoio e conversas sinceras no ambiente de trabalho ou em casa.

Para gestores e colegas, criar um ambiente de diálogo aberto e empático pode ser fundamental na vida de quem está lutando contra o vício. O poder de uma conversa sincera e o suporte adequado podem fazer toda a diferença. A forma de tratar o assunto envolve um script estruturado, sensibilidade e o desejo sincero de ajudar, que oriento dentro do workshop de líderes.

Identificar e tratar a situação é um passo crucial para alcançar uma vida mais plena e feliz. O caminho da recuperação pode ser desafiador, mas com o apoio correto e a determinação para mudar, é possível reconquistar o equilíbrio e retomar o controle. Assim como ensina a economia comportamental, nossas escolhas são frequentemente guiadas por impulsos inconscientes, mas é a consciência dessas ações que nos permite transformar hábitos prejudiciais em decisões saudáveis. Lembre-se: o autocuidado e a busca por ajuda são essenciais para uma jornada de bem-estar e realização.

Espero que esta reflexão tenha sido útil. Meu objetivo é aumentar a conscientização sobre os perigos dos jogos de azar e mostrar que, embora seja um problema crescente, com impactos na saúde emocional e financeira, é possível reverter essa situação com o apoio adequado. Se você deseja continuar essa jornada de aprendizado e conhecimento, espero vê-lo em uma de minhas palestras ou eventos, ou então adquirindo o livro “A mente em jogo”, que está em fase de pré-venda.

Vamos juntos promover a saúde financeira, emocional e social em todas as áreas da vida!

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